Rosa Weber sobre legítima defesa da honra: sem espaço para "costumes medievais"
Dez ministros do Supremo rejeitam a tese adotada por advogados que pedem atenuantes a assassinos de mulheres alegando "legítima defesa da honra"
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- Publicação: 02/08/2023 15:40
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, ontem, por unanimidade entre os integrantes do plenário da corte, a tese de legítima defesa da honra.
Em julgamento na sessão que marcou o retorno do recesso no Poder Judiciário, os magistrados entenderam que é inaceitável que feminicidas, ou seja, homens que matam mulheres com as quais convivem ou tem alguma ligação familiar, sejam absolvidos de seus crimes.
A tese de legítima defesa era usada para impedir a punição de feminicidas que alegavam traição por parte das companheiras ou outras justificativas semelhantes para justificar seus crimes.
Todos os 10 ministros que integram o plenário votaram contra o uso deste tipo de dispositivo.
O ministro Cristiano Zanin, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aprovado pelo Senado, toma posse amanhã e, portanto, não pode votar neste caso.
A ministra Cármen Lúcia afirmou que a tese de legítima defesa da honra é fruto do machismo e da violência de gênero, que aumentou no país.
"Uma mulher é violentada a cada quatro minutos.
A violência contra mulher na pandemia aumentou ensandecidamente, temos que provar que não somos parecidas com humanos, mas somos humanos", disse.
A magistrada continuou: "É preciso que isso seja extirpado inteiramente.
Mais que uma questão de constitucionalidade, que tem como base a dignidade humana, estamos falando de dignidade no sentido próprio, subjetivo e concreto de uma sociedade que ainda hoje é sexista, machista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser o que elas são: mulheres donas de suas vidas".
A presidente da STF, Rosa Weber, também manifestou um voto contundente.
"Não há espaço no contexto de uma sociedade democrática, livre, justa e solidária, fundada no primado da dignidade da pessoa humana, para a restauração de costumes medievais e desumanos do passado, pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso por causa de uma ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina", afirmou.
Com a decisão dos ministros, este tipo de alegação não poderá mais ser usado, seja na fase pré-processual, seja no Tribunal do Júri.
O relator do caso, ministro Dias Toffoli, votou em junho, quando a corte formou maioria pela derrubada da tese.
Toffoli afirmou que o ataque a mulher por conta de adultério não está incluído nos requisitos de excludente de ilicitude.
Ângela Diniz
O tema ganhou o debate público em 1976, quando a socialite Ângela Diniz foi assassinada pelo então marido, Raul Fernando Doca, no Rio de Janeiro.
Ele matou Ângela com quatro tiros.
O assassino passou uma semana foragido, quando se entregou.
Durante o julgamento, ele alegou que agiu em legítima defesa da honra.
Foi condenado a dois anos, mas como já tinha passado um terço do tempo preso, saiu livre do tribunal, causando revolta na população.
Um dos que protestaram sobre o caso foi o poeta Carlos Drummond de Andrade.
"Aquela moça continua sendo assassinada todos os dias e de diferentes maneiras", afirmou.
Doca foi julgado novamente em 1981, quando foi condenado a 15 anos de prisão, ficando apenas três em regime fechado.