Hacker diz que cumpriu ordens de Bolsonaro e de Zambelli
Preso por invadir o sistema do CNJ, Delgatti afirmou que o ex-presidente sabia e solicitou que colocasse os dados da prisão de Alexandre de Moraes na rede da instituição. Em videoconferência, garantiu que tem mais provas para incriminar Carla Zambelli
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- Publicação: 15/09/2023 09:46
O hacker Walter Delgatti, conhecido por ter dado origem à chamada "Vaza-Jato", prestou depoimento, nesta quinta-feira (14/9), à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos, da Câmara Legislativa (CLDF).
Preso pela Polícia Federal em 3 de agosto, por ter invadido o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e emitido um mandado de prisão contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, o hacker contou aos distritais que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sabia e solicitou a inclusão dos dados da prisão do ministro no sistema.
Diferentemente de outras oitivas, o depoente não estava presente fisicamente na CLDF.
Delgatti está preso em um presídio de Araraquara, no interior de São Paulo, e prestou depoimento por videoconferência.
O hacker havia manifestado o desejo de vir a Brasília, e solicitou que a equipe jurídica da CLDF pagasse a passagem dele e dos advogados.
O pedido chegou a ser atendido, mas não viabilizado a tempo para que a viagem ocorresse.
O depoimento chegou a ser cancelado.
No entanto, um despacho de Moraes, na noite de quarta, autorizou que o hacker prestasse as informações à distância, em uma cela dentro do presídio.
Parte dos deputados da base governista, principalmente parlamentares ligados ao clã bolsonarista, discutiram no grupo de WhatsApp com outros parlamentares por não concordar com os moldes do depoimento de Delgatti.
Antes dos questionamentos, o advogado de Delgatti, Ariovaldo Moreira, pediu que fossem retiradas as algemas do cliente dele. Por estar preso, a defesa alegava que não existiria a possibilidade de fuga.
O presidente da CPI, Chico Vigilante (PT), concordou.
O hacker fez um breve discurso inicial, exaltando ser o responsável pelo descobrimento do "maior esquema de corrupção do Judiciário que se tem notícias", em referência ao episódio que ficou conhecido como "Vaza-Jato", quando mensagens do Telegram do ex-juiz e hoje senador Sérgio Moro (União-PR) e do ex-procurador da República e deputado cassado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) foram vazadas.
O hacker pontuou que iria ficar em silêncio, porque todas as provas repassadas por ele estavam em depoimentos prestados à Polícia Federal e à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, do Congresso Nacional, mas resolveu colaborar.
Emprego
Preso por envolvimento na invasão ao sistema do CNJ, a primeira resposta de Delgatti foi sobre o que motivou a prisão dele à PF.
O hacker disse que o ex-presidente Jair Bolsonaro sabia e pediu que ele colocasse o mandado de prisão contra Moraes no sistema.
"Tanto sabia, que ele (Bolsonaro) solicitou esse feito", disse. "Ao todo, recebi R$ 40 mil.
O combinado era um emprego (no serviço público), e não os valores (recebidos).
Ela (a deputada Carla Zambelli) enviou os valores como uma ajuda de custo.
Até hoje eu não recebi o emprego, apenas a prisão", concluiu.
O desejo de Bolsonaro e da parlamentar do PL-SP era de mostrar as fragilidades no sistema e, posteriormente, questionar a confiabilidade das urnas eletrônicas.
"A ideia do despacho foi minha.
A Carla e o Bolsonaro queriam um jeito de mostrar que o sistema era vulnerável.
Eu tive a ideia de fazer o despacho, emitindo a prisão do Moraes", explicou.
Delgatti disse que tem como provar.
A carta branca para dar início à empreitada de invadir o sistema do CNJ ocorreu em uma visita dele ao Palácio do Alvorada.
O hacker disse que não se recorda a data, mas que o encontro ocorreu em agosto do ano passado. Com respostas curtas, Delgatti respondeu positivamente às perguntas sobre ele ter ido à casa do presidente acompanhado de Zambelli, após ter deixado o diretório nacional do Partido Liberal (PL).
Lá, teria sido recebido com um café da manhã recheado de opções de comida.
O hacker detalhou que provas que incriminam a parlamentar estão em posse da PF, mas que ele não entregou todo o material.
De acordo com Delgatti, "existia um rapaz, que eu acredito ser primo da Carla, que fiscalizava o que (eu) fazia.
Ele tinha acesso ao computador e via se eu realmente conseguiria.
Tanto que, no começo, ele dizia ser impossível (invadir o sistema do CNJ).
Quando eu consegui, ele ficou surpreso.
Ele seria uma testemunha", contou.
"Eu tenho uma conversa minha com a Carla, que não saiu na mídia ainda, que ela confessa (o mandado de prisão), que realmente foi ela.
Foi o que eu disse anteriormente.
Estou aguardando um momento oportuno (para revelar)", disse.
De acordo com a defesa de Bolsonaro, o hacker cometeu uma falsa imputação contra o ex-presidente, em relação ao delito de "realizar interceptação telefônica ou telemática sem autorização judicial".
O caso está no 3º Juizado Especial Criminal de Brasília.
Um dos pontos fortes do depoimento foi quando Delgatti informou que Bolsonaro, Zambelli e militares solicitaram à ele a invasão das urnas eletrônicas, na tentativa de colocar em xeque a lisura delas.
O hacker disse acreditar que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, revelará essas informações no acordo de delação premiada fechado com a PF e homologado por Moraes.
"Cid vai falar isso na delação premiada, porque ele participou dessas reuniões.
Ele estava lá e é testemunha.
"Eles queriam também que eu fizesse um código para que o povo visse uma votação em um candidato, mas com a impressão em outro.
Seria, então, uma urna 'crua' com esse código fake, para mudar a opinião pública", explicou Delgatti, sobre a estratégia em exibir a urna no 7 de Setembro do ano passado.
O hacker disse que Bolsonaro elogiou a atuação dele na Vaza-Jato, e que lhe apresentaria uma nova missão "de dar liberdade ao povo".
Sistema
O relator Hermeto (MDB) considerou o depoimento de Delgatti bastante produtivo e exaltou um dos trunfos da CPI da CLDF, por ser um lugar longe de holofotes e de ego elevado de parlamentares, diferentemente da CPMI do Congresso.
"O áudio que ele diz que tem da Zambelli é uma das grandes novidades.
Ele disse que vai compartilhar conosco", acrescentou.
"Escutamos um hacker que tentou entrar no sistema das urnas, e assegurou que não conseguiu.
Os atos de 12 de dezembro e 8 de janeiro são interligados.
Isso tudo tem de ligação, que eram os atos antidemocráticos do dia 8", completou.
O presidente Chico Vigilante (PT) disse que é possível afirmar que o grande responsável pelos atos antidemocráticos é o ex-presidente Jair Bolsonaro.
"O depoimento mostra a participação de Bolsonaro no que motivou os ataques.
Ele reuniu todos os envolvidos para insinuar sobre a lisura das urnas, e criar um clima de insurreição no Brasil", pontuou.
O parlamentar acrescentou que, mesmo envolvido na trama golpista de hackear as urnas, Delgatti falhou.
As informações prestadas por Delgatti à CPI do DF, as mesmas citadas na CPMI, fez com que a defesa do ex-presidente protocolasse uma notícia-crime no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) contra o hacker.
Blogueiro preso no Paraguai
O condenado por tentar explodir uma bomba nas proximidades do Aeroporto de Brasília, em 24 de dezembro do ano passado, o blogueiro Wellington Macedo, foi preso, ontem à tarde, pela polícia paraguaia e a Interpol, no extremo leste do Paraguai.
Ele foi condenado pela 8ª Vara Criminal de Brasília a seis anos de prisão, no mês passado.
Wellington foi apresentado na delegacia com manchas de sangue e lama pelo roupa, indicando ter sido imobilizado pelos agentes.
Além dele, outros dois foragidos da Justiça brasileira foram detidos e serão entregues à Polícia Federal pelo governo paraguaio.
No mês passado, Wellington tentou se credenciar para posse do presidente paraguaio Santiago Peña, em Assunção.
O pedido foi negado pelo governo paraguaio, após o governo brasileiro ter avisado sobre o foragido.
O blogueiro trabalhou no então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, como assessor da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, da ex-ministra e senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
Entre os meses de fevereiro e outubro de 2019, era responsável por despachar medidas que iam da destinação de verbas para custear viagens de serviço à contratação de uma empresa para transportar "bagagens para todas as regiões dentro do Brasil e transporte de veículo do tipo automóvel e motocicleta dentro do território nacional", como constava no site do ministério.
O ex-assessor acumulou, ao longo dos oito meses no Ministério da Mulher, cerca de R$ 82 mil em salários.
A Reportagem constatou, por meio do Portal da Transparência, que Wellington também requereu e recebeu cinco parcelas do auxílio emergencial de R$ 600, em 2020.
Entenda o caso
Em 24 de dezembro do ano passado, num carro dirigido por Wellington Macedo, Alan Diego dos Santos deixou uma bomba em um caminhão-tanque, nas proximidades do Aeroporto de Brasília.
Ao lado dos dois, George Washington participou da trama.
De acordo com a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), o dispositivo da bomba foi acionado, mas falhou.
George foi preso ainda na madrugada de Natal, Alan se entregou em 17 de janeiro, em Comodoro (MT). Wellington foi preso no Paraguai.