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Anotação de delegada mostra que Torres quis acusar PT de compra de votos

Em documento obtido pelo Correio, delegada Marília Ferreira Alencar, da PF, fala sobre operações da PRF no Nordeste e em "alguns lugares em que o Lula havia ganhado e que precisavam ser reforçados"
  • Categoria: Geral
  • Publicação: 07/10/2023 02:37

Um texto que estava no bloco de notas do celular da delegada da Polícia Federal (PF), Marília Ferreira Alencar, ex-subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Distrito Federal, entregue pela Apple à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) de 8 de janeiro, ao qual o Correio teve acesso, aponta que o ex-ministro da Justiça Anderson Torres planejava acusar o PT de compra de votos e mirava em ações no Nordeste.

Escrito em primeira pessoa, a braço-direito de Torres no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) detalhou, no texto, reuniões que participou, com a presença do ex-ministro e dos diretores da PF e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), para falar sobre ações policiais em estados onde o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva obteve mais votos no primeiro turno das eleições presidenciais de 2022.

“Houve várias reuniões no mês de outubro, em que o ministro [Torres] pediu muito empenho e atenção às eleições de 2022”, escreveu Marília.

Em um dos encontros, “em que estavam os representantes da PF, PRF, Seopi (Secretaria de Operações Integradas do ministério), Min. (sic)”, houve o pedido “de integração entre as forças e que se colocassem mais de 70% nas ruas”.

“Disse que tinha informações de que estavam rodando Brasil afora milhões de reais em compra de votos, que estava recebendo muitos vídeos e notícias sobre isso, e que as polícias tinham que atuar mais para impedir tais crimes, especialmente a PF.”

O texto do bloco de notas — o qual a Apple não precisa a data, mas garante ser do período entre 31 de dezembro de 2021 e 18 de agosto de 2023 — alega que “havia uma preocupação do Ministro com o Nordeste e ele falava muito na Bahia, pois havia visto no mapa, com o planejamento do primeiro turno, que havia muito pouca distribuição de equipes no interior da Bahia”.

Lula obteve mais de 72% dos votos válidos no estado.

“Desde antes do primeiro turno, a DINT (Diretoria de Inteligência) recebia dezenas de vídeos e postagens de pessoas, a maioria delas fake news, sobre compra de votos e ligação do PT com facções criminosas.

Toda notícia ou informe que chegava, tentavamos fazer a confirmação, pedindo o BO ou consultando o centro de inteligência respectivo.

Então, algo que estava arraigado ali na SEOPI era essa relação do PT com compra de votos, e sempre comentávamos sobre isso.”

“Por isso, na conversa do grupo, eu comentei sobre alguns lugares em que o Lula havia ganhado e que precisava ser reforçado, diante da existência de informes de compra de votos nesses locais e da preocupação sempre externada pelo Ministro”, detalhou Marília.

Intenção de ligar o PT às facções criminosas

O texto aponta, ainda, que “havia uma certa pressão para que eu fizesse um relatório que indicasse a relação do PT com facções criminosas, pois havia alguns indicativos disso, mas não fizemos porque não havia comprovação”.

Marília escreveu também ter percebido que “o Márcio (Nunes, ex-diretor geral da PF) não queria cumprir a determinação dele [Torres], e acabou não cumprindo, pois os planejamentos não foram seguidos”.

Por conta disso, segundo a delegada, Torres chegou a comentar que, caso Bolsonaro fosse reeleito, trocaria o diretor-geral da Polícia Federal, porque, apesar de “gostar muito do Márcio”, o ministro considerava que ele “não era uma pessoa muito firme para aquele momento”.

Por outro lado, o texto de Marília não detalha a atuação da PRF na trama, mas a intenção de focar em ações policiais no Nordeste, com aumento do efetivo, especialmente na Bahia, coincide com as acusações feitas contra a corporação, de tentar obstruir as eleições com blitze realizadas na região.

Anderson Torres, inclusive, chegou a viajar à Bahia dias antes do segundo turno.

Com essa descoberta, o parecer da relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), na CPMI, deve mirar no ex-diretor da PRF, Silvinei Vasques e nas operações no Nordeste, no segundo turno das eleições do ano passado, segundo fontes da base do governo que conversaram com o Correio.

Marília chegou a ser convocada a depor na comissão no dia 12 de setembro, mas um habeas corpus concedido pelo ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), desobrigou a delegada da PF de comparecer.